quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

Acerca da degradação cemiterial em Fortaleza


Não é de hoje que notamos a degradação estrutural dos cemitérios de Fortaleza, sobretudo no Cemitério São João Batista, o mais antigo e referenciado da ensolarada capital cearense. Outrora um espaço de beleza arquitetônica ímpar dentro da polifonia citadina, hoje o “Batistão” apresenta vários sinais de abandono, sobretudo nas tumbas que eram conhecidas por sua riqueza de detalhes, fascinantes para aqueles que vêm enterrar e visitar seus finados e também para os poucos adeptos da cultura gótica (g)local.

Fora isto, vejamos as falhas na segurança do sítio - não foram poucos os relatos que ouvi sobre concidadãos indo visitar desaparecidos, orar (isso em minha leitura é 'perder tempo com abstrações dominadoras') e que acabavam sendo assaltados por malacas famintos por crack, talvez a maior mazela social da contemporaneidade - o crack é a pedra no sapato da sociedade. Há também ocorrência de violações de sepulturas (muitos são sepultados com suas jóias, num último arroubo materialista) e saqueamento de restos mortais por parte de praticantes de ocultismo - coisas novamente evidenciadas pela mídia ultimamente, videie os casos sinistros protagonizados por adeptos d'uma "umbanda" hardcore, que além dessas peripécias, também dão sumiço em inocentes que logo são encontrados mortos, vítimas de surreais e macabros rituais. Tô apostando mais num serial killer cabeça-chata...

Comecei a me dar conta maior deste contexto quando participei nos últimos anos de algumas entrevistas de TVs locais, que visavam publicizar parte do imaginário da banda na qual sou guitarrista, o Plastique Noir, adepta do pós-punk mórbido e também num evento periódico do BNB que visa resgatar e debater pontos urbanos peculiares em percursos. Faziam muitos anos que eu não visitava o cemitas, pois já estava grandinho, ocupado e tinha cansado de perambular por lá maquiado e vestido de negro, portando obras de literatura maldita (Baudelaire, essa é pra você!), vinho barato e escoltado por companhias trevoso-juvenis. "Se por volta de 1996 isso aqui já tava fodido, avalie agora" - pensei eu, chateado e nostálgico.

Está correto que a necrópole há tempos está meio que largada às traças (os vermes são antigos habitués); mas na gestão governamental em vigência, que opera sob o mote “Fortaleza Bela”, deveras preocupada com festanças popularescas que Mikhail Bakhtin adoraria estudar, o descaso tem sido considerável. Atitude similar é a dos parentes dos desencarnados que lá repousam. Relegam seus entes queridos ao esquecimento mais rasteiro e também não pagam as taxas de manutenção , deixando os jazigos em estado lastimável. A História deveria morrer assim, ao léu?

O Cemitério São João Batista foi inaugurado a 5 de abril de 1866, substituindo o Cemitério de São Casemiro (putz, é uma massa de 'santos' que assombra este país). Desde então virou parte destacada de Fortaleza, abrigando presuntos ilustres, membros do jet-set de então, como os barões de Aquiraz, Aratanha, Camocim, São Leonardo, Studart, vários dos feudalistas Jereissati, Frei Tito, os poetas Quintino Cunha e Rogaciano Leite, dentre outras figuraças. É, um cemitas rende boas aulas de História, Sociologia, teologia e Arquitetura...

Ok, um cemitério não é dos espaços mais usuais para socialização, mas também faz parte da História de uma metrópole e é mais que digno de cuidados, afinal ali se encontram obras de arte, ou “arte tumular”, como queiram – assim como carcaças e ossadas de pessoas que um dia já andaram nesta terra confusa. O sociólogo alemão Norbert Elias, na bella obra A Solidão dos Moribundos versa exatamente sobre um “papel pós-social” que os mortos e moribundos exercem no socius - estes ainda reverberam de certa forma, mas não entrarei em delírios transcendentais. Já dizia, pois, o mesmo Elias: "a morte é um problema dos vivos".

Na Europa existem programas de "revitalização" das necrópoles, conferindo-lhes caráter de espaço lúdico, quase como um parquinho feliz, onde ocorrem picknicks, suecas de topless pegando bronze, crianças brincando e anônimos rendendo suas homenagem aos que se foram segura e tranquilamente, numa espécie de "harmonia necrófila". Seria muito interessante as autoridades daqui seguirem este exemplo... Eu até pagaria pra ver, mas quando eu morrer que não maculem minha tumba com a porra de uma cruz!

Concordo com George Romero: precisamos MUITO da história, porém muito mais do devir. Mas ainda bem que "revitalizar" não é sinônimo de "ressuscitar"...

http://www.youtube.com/watch?v=BBc18J5cUcs



4 comentários:

  1. Concordo com a postura frente ao estado das estruturas "post mort" da cidade... se bem que eu não deixo de ver a beleza das estruturas em deterioração e prestes a se extinguir.

    Acho que a questão é justo essa, saber dosar preservação e deterioração pra que os cemitérios não virem(como tudo hoje em dia) SIMPLESMENTE um atrativo comercial.

    "A História deveria morrer assim, ao léu? "
    Ela vai, mas vamos com calma.

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  2. Opa Márcio!! Muito bom o texto bicho, gostei pacas...Eu moro aqui pertinho do ''batistão'' e realmente sinto um clima de abandono quando passo por ali. N verdade Fortaleza é um imenso São joão Batista, abandonada!! Continue com o bolg, ta foda!!!Abraço.

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  3. muito bom seu blog mazela!

    segue o meu tambem!

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  4. Mazela, parabéns pelo blog. Embora eu discorde de vários pontos do texto acima, acho que a argumentação e a exposição de vários pontos a serem pensados tá muito boa. Dá para botar os neurônios pra trabalhar.

    Quanto a questão cemiterial, é aquilo que muitos sociólogos dizem: nossa sociedade pós-moderna já tem tantos medos que a proximidade de qualquer assunto que lembre morte provoca pânico. Se antes era natural velar os mortos nas casas, hoje quem fizer isso é tachado de louco.

    Enfim, quanto a tratar o cemitério um espaço cultural, em São Paulo o Cemitério da Consolação há algum tempo já é considerado ponto turístico da cidade e dispõe de agendamento de visita monitorada. Lá é um verdadeiro sítio artístico, com esculturas em mármore italiano de artistas renomados como Victor Brecheret e Rodolfo Bernardelli. Monteiro Lobato, Tarsila do Amaral, Mário de Andrade, José Bonifácio, Marquesa de Santos, Washington Luiz e a família Matarazzo estão entre os ilustres finados do local. Seria importante que as demais cidades brasileiras também adotassem esse modelo para suas necrópoles tanto pelo valor histórico quanto artístico.

    Outro ponto a ser considerado é a expansão dos cemitérios-parque, considerados lugares mais "welcoming" para sentar na grama, bater um papo, pensar na vida, etc.

    Sorry o comentário prolixo. Mas, é isso aí, keep goin' e parabéns pelo espaço.

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