quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

Notas voláteis sobre o rock fortalezense: idas e vindas


Para os desavisados, os etnocêntricos e os afoitos, desde a década de 1970 que o rock autoral, que prefiro nomear de original (voltarei a isso a posteriori), é cometido em Fortaleza. Oui, mes amis, ando referenciando demais a cidade onde nasci e construí partes de minha subjetividade mazelídea, mas não pretendo abraçar o mundo com as pernas, apesar de me considerar um nômade para o mundo e flâneur para as urbes. Certamente este planeta reclamaria da raivosa rolada que daria Nele e meu gozo seria suicida - quiçá esquizofrênico e/ou perverso. Porém estarei me reterritorializando eventualmente. Os vulcões, furacões, terremotos e tsunamis que façam seu trabalho oportuno limpando a cagada generalizada! O HAITI QUE EXPLODA, OLHEM AQUI PRA DENTRO, MALTCHIKS!

Voltando ao tópico "rock alencarino-litorâneo". Desde pivete aprecio, coleciono e agito com o rock globalesco, mas só quando era um teenager edipianamente reprimido e em busca de revolta, lá pelos idos dos 90's, que fui sacar que algo rolava por estas paragens encaloradas. Depois, entre Apolo e Dionísio, Jekyll e Hyde, fiz graduação e mestrado tomando o rock como precursor obscuro/atrator caótico para reflexões acadêmicas e continuei sendo fã, músico e filho-da-puta.

Recuarei um pouco no tempo, desde 2010. 2006 foi um aninho atípico na até então meio que estagnada cena rock/pop cearense. Qualquer pessoa mais ou menos antenada com o underground local podia notar a atenção que os artistas com trabalho original vinham chamado nas mais diversas mídias, mostrando que as paragens alencarinas têm muito que mostrar em termos de diversidade musical. Matérias em jornais impressos, TV, blogs, sites e algumas rádios se tornaram bem mais constantes que outrora, assim como aumentou significativamente o número de festivais e mostras de bandas a ocorrer em Fortaleza, a (mal)dita “capital do forró” – papo balela que aos poucos está sendo exorcizadao e já não era sem tempo. O rock and roll agradece!

Ao que parece, o rock, mulato velho e bastardo, finalmente tem deixado de ser um outsider perante a cultura popular cearense, assim traçando suas linhas de fuga, obtendo espaços e visibilidade que habitualmente não tinha. Criou-se um filão falsamente novo, que estava sempre por aí rondando o establishment da maioria silenciosa. Era impressionante notar que essa aglomeração roqueira tinha adquirido ares de "movimento", isso se falarmos nos termos da Física, na idéia de “onda”- hype é o caralho! Se existem ares de hype, isso já é outra história, e como estamos fora de grandes pólos fonográficos o mesmo é convertido sabiamente em lobby, por assim dizer. Seríamos sucessores elétricos e tardios dos "velhinhos" do Pessoal do Ceará? Whoa! Uma guitarra despencou e matou o pavão misterioso... E quem tem pena do pavão (agora depenado)? Eu não e digo mais: que se foda com brita, areia grossa e um pênis de jumento!

É certo que as ondas vêm e vão, o que é natural também em todo fluxo histórico-social; porém as coisas pareciam estar “zarpando”, com bandas e mais bandas novas surgindo e outras que já não possuem o “cheiro de novidade” se consolidando e se destacando num métier antes dominado por outros produtos-bomba das indústrias culturais (é, Adorno ainda presta), como o supracitado forró embalado a vácuo (advindo do gênio maligno que habita as cucas de empresários astutos), o axé (que parece ainda estar vivendo dias francos de decadência - tcha-an, tcha-an!) e as medíocres bandas cover (entes simulacrais infames que incutem preguiça na audiência para que a mesma tema saborear o ‘novo’; mas há mercado pra isso, lógico, até a presente data).

O rock igualmente é produto da indústria cultural, esse bicho-papão tão temido e capitalista, porém soa ainda pouco compreendido pelas massas e distorcido por intelectuais tendenciosos e chatonildos - tô fora dessa! Debate teórico à parte, é inegável uma constante movimentação telúrica (é, viemos das Profundas). Denominei, então, esse rizoma sócio-sonoro de New Wave cabeça-chata – há quem prefira Nouvélle Vague Alencárine ou Nueva Vaga Carcará – ora, podemos “vender” na Europa e no mercado latino, rá,rá! E alhures também, oras... E nem me venham com acusações de (auto)preconceito velado; esta alusão à expressão meio que ofensiva para alguns, “cabeça-chata”, nada mais é que uma reverência ao picaresco espírito cearense, moleque e debochado por natureza - e que não tem medo nem pudor em gritar um sonoro “iiiieeeeeeeeeeeeeeeiiiiii” (ou um bello fuck off) para os cuzóides de plantão e homo otarius que gozam das dádivas morosas da vida besta.

A aclunha cabia, mais acertadamente, às bandas que apareceram por 2004/2005, rompendo com o cansado modus operandi que permeava este cenário regional tão controvertido quanto o próprio rock/pop mundial. Há também quem não cria na existência de uma "cena" (prefiro roteiro), mas as evidências pareciam apontar para uma perspectiva mais animadora e menos enraizada. O que era velho-oeste ontem tem pressuposto uma visão de Eldorado pop... Claro, sem olhares utópicos (argh!) ou idealistas (urgh!) quanto a isto. Seria também essa efervescência que passava o rock alencarino o the next big thing do pop nacional? Só o futuro dirá, mas a diversidade e o empreendedorismo até então inéditos das bandas têm falado por si sós.

Por mais que nossos nativos/locais (xenófilos desde tempos imemoriais) não valorizem, temos aqui um bello celeiro de artistas que já não deixam nada a dever de cenas conhecidamente mais "movimentadas" (relativizemos isso) como as de Goiânia (hoje a rock city do País), Cuiabá, Recife, Porto Alegre, Belo Horizonte, Curitiba e do inevitável eixo Rio-São Paulo, “mecas” que antes eram a maioria esmagadora em termos de visibilidade artística no ramo.

Até mesmo as batidas concepções de underground e mainstream (e independente, que depende pra cacete) têm se modificado frente a estes novos tempos ciberculturalizados - outra questão que pretendo retomar conceitual e empiricamente. Hoje as bandas cearenses registram e divulgam suas obras mais facilmente, graças ao barateamento dos processos de gravação digitais (tá cheio de estúdios bacanas pela city) e da Internet como “grande mídia” e espaço democrático-caótico de promoção, onde os públicos-alvos são atingidos, assim como os curiosos se instigam em sacar algo fora dos “eixões” pra lá de conhecidos. Daí, pra usar do velho e querido mote “do it yourself” se torna uma necessidade sintomática; tal frase de efeito não poderia ser mais honesta para tentar definir o que se anda fazendo em termos de música independente por Fortaleza. E, de tabu, a dita pirataria (tragam as garrafas de rum, seus poltrões!) se tornou aliada valorosa para aqueles sem uma gravadora e/ou selo para prensar discos...

E quem vai esperar que isso venha do nada? Niilistas dando uma de crentes? Geração espontânea? Oui, as moscas realmente vivem poucos dias e não têm tempo a perder em seu ofício de pousar na merda e na promoção da decomposição; Nietzsche matou deus, morreu doido e o rock é coisa de nosso muso, o Capeta.

Como criar uma máquina de guerra pra derrubar barreiras que antes brochavam o rocker mais vetusto? Vamos lá, nem só Malcolm MacLaren pode pensar malacamente na selva de pedra popiana. Receitinha de bolo: toque razoavelmente (essa de tocar mal morreu com o punk pelego); monte uma banda que seja interessante (estética e musicalmente, de preferência); ensaie até rachar; busque referências consistentes e que não se manifestem como simulacro do original (para isso temos as bandas, ops, BUNDAS cover); toque onde e quando puder (quase sempre sem cachês - o trabalho alienado fode-nos todos); divulgue a banda na net (orkut, myspace, blogs e flogs são uma arma de alto poder de fogo- atire à vontade); mostre serviço, forme ou frequente panelinhas ou se afilie a associações; junte os cachês (quando e se existirem); grave em um estúdio oferecendo bom custo-benefício (a não ser que você tenha grana pra torrar em alguma superprodução, mas o negócio aqui é nos calabouços); divulgue novamente a banda na net; compre uns CDs virgens, queime-os com suas músicas, vá numa gráfica acessível, imprima seus encartes (se existirem, part II); batalhe por vagas em festivais renomados, locais e nacionais; negocie com algum selo e opte pelo prensado, não pelo solto.

Eu, meus comparsas de banda e vários outros com sangue no olho têm se aventurado e, vira e mexe (ou estica e puxa na suruba da Xuxa), desdobrado coisas bacanas. Sometimes é desolador pagar pra trabalhar, cair na estrada desbundado, passar por apertos mille, porém o tesão de tocar ainda persiste, sendo maior que a bundamolice reinante - fora os constantes boicotes, especulações imobiliárias, subornos e "caças às bruxas" que hoje empesteiam Fortaleza.

Essa nova geração (esqueçam a Pepsi, pois a Coca é do Tasso e ele é onipotente no Estado) está mais consciente (e consistente) de que a época romântica do rock acabou: quem é que ainda quer morrer tocando numa garagem cubicular e/ou em moquifos descoladinhos pra meia dúzia de infelizes sujismundos? Por isso que digo que estes artistas já não distinguem mais tanto assim o underground do mainstream – surgiu um novo devir, um novo jeito de se encarar o mondo cane das guitarras distorcidas. Não falo em se vender (é, ganhar dinheiro fazendo o que se gosta é sonho para a maioria - eu incluso), mas underground é pura resistência subterrânea, pacto de insubmissão ao lugar-comum, às regras mais podres deste jogo. Nós temos que saquear e pilhar, incendiar aldeias e chacinar convenções; quem ficar pra trás que coma poeira. Afinal, the “show must go on”, n’est pas? Ao que parece os jogadores estão capturando e usando mais e melhores trunfos para essa tortuosa escalada roqueira. Garçon, mil linhas de fuga, por favor! Taca na conta!

P.S. - Leibniz dizia: "eu acreditava ter chegado ao porto, mas fui lançado de volta ao alto mar". Veremos até onde a baladeira estica... E quando essa fuleiragem toda deixar de ser divertida, tornar-me-ei açougueiro ou palhaço de festinha infantil. Cagarei no bolo e mijarei no refrigerante, podem ter certeza!

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